PORTUGAL,
MUSEU VIVO DO
AZULEJO
Escudo Nacional de Portugal
CAPELA DAS ALMAS
II
UMA JÓIA DA AZULEJARIA
PORTUGUESA
Encravada mesmo no cerne da
cidade, onde palpita febril o coração duma urbe plena de movimento e de
vida, situa-se a Capela das Almas, ex-libris da velha e gloriosa cidade do
Porto. É um pequeno-grande templo com traçado em estilo neoclássico
do fim do século XVIII. Correia de Azevedo na sua "Enciclopédia da Arte
Portuguesa" descreve assim, resumidamente, a Capela das
Almas:
"Situa-se no ângulo da Rua de
Santa Catarina com a Rua Fernandes Tomás. Tanto a fachada como a
nave são muito equilibradas e sóbrias. Mas o que neste templo interessa
distinguir é o seu completo revestimento exterior de ajulejos na fachada e
na parede lateral sul. Tais azulejos são de autoria de Eduardo Leite".
A fama dos painéis de azulejo
da Capela ds Almas atravessou fronteiras e espalhou-se pela Europa e pela
América. Confirmando esta asserção note-se que uma publicação
como a revista "National Geographic", órgão oficial da
"National Geographic Society", com sede em Washington, DC, Estados Unidos,
chamou a atenção do mundo culto para os azulejos em causa, reproduzindo a
cores toda a parede do lado sul da Capela ds Almas. Esta reportagem
foi publicada no número 158, editado em 6 de
dezembro de 1980.
Pois os preciosos azulejos da
Capela das Almas correram o sério risco de se degradarem, de se perderem
para sempre. Foi uma preocupação séria a sua recuperação, por ser um
trabalho moroso, difícil, dispendioso. O restauro começou em setembro
e terminou em dezembro de 1982. Foram levantados e recolocados 2.400
azulejos, sendo que 28 tiveram que ser refeitos na Fábrica Viúva
Lamego, por se terem partido ao cair no pavimento da Rua
Fernandes Tomás.
A história do azulejo vem de
longa data, tendo a azulejaria começado a adquirir personalidade artística
durante o Califado de Bagdá, na Pérsia, entre os séculos XIII e XIV;
depois o trabalho de azulejaria criou alicerces por intermédio dos mouros
na península ibérica, através do Levante e da Andaluzia e só mais tarde é
que os italianos se apoderaram do segredo do fabrico de azulejos em larga
escala. A partir dos meados do século XVI, artistas flamengos que tiveram
contatos em Sevilha e Talavera de la Reina, instalaram-se em Lisboa,
introduzindo as novas técnicas maiolicárias, e com elas o azulejo de
superfície lisa, de grande aceitação, que acabou por se firmar como uma
constante da arte decorativa, com o seu descritivo, a sua beleza e fácil
adaptação a obras de arquitetura.
No entanto, os azulejos
adquiriram mais expressão e maior deslumbramento quando utilizados como
base de desenhos e pinturas da vida real ou imaginária, em grandes
painéis, figurando guerras, vidas de santos, paisagens, aspectos da
etnografia e do folclore, ou outros desenhos e pinturas de aparente
ingenuidade, mas sempre com alto valor artístico e
decorativo.
Tempos houve em que foram
muitas as fábricas artesanais de azulejaria existentes em Lisboa, em
Coimbra, no Porto, e, especialmente, em Vila Nova de Gaia. Algumas foram
vítimas de lamentáveis períodos de decadência e até de extinção,
devido, em primeiro lugar, às guerras napoleônicas
e, depois, em conseqüencia das lutas políticas internas que
provocaram catastróficas perturbações
econômico-sociais.
Quando no fim do século XIX
se revigorou a azulejaria, o maior impulso - conforme cita Santos
Simões, o grande especialista na matéria - foi dado por artistas como
Pereira Cão, Bordalo Pinheiro, Luís Ferreira, e, já no século XX, por
Jorge Barradas e Eduardo Leite.
Os azulejos da Capela das
Almas estão assinados pelo pintor Eduardo Leite, que se notabilizou como
aquarelista e ceramista, e foram executados pela Fábrica de Cerâmica Viúva
Lamego, em Lisboa. Para se fazer uma pequena idéia da importância desses
painéis, basta ter em conta que no conjunto foram usados
(pintados e cozidos) 15.947 azulejos que cobrem cerca de 360 metros
quadrados de parede.
Na fachada (do lado da
Rua de Santa Catarina) merecem realce as cenas das "Almas do
Purgatório", as decorações e quadros alusivos à Eucaristia e as
composições sobre a vida de Santa Catarina e São Francisco: "São Francisco
recebe os estigmas de Cristo" e "Coroação de Santa Catarina".
O painel da parede
lateral voltado para a Rua Fernandes Tomás, tem várias cenas da vida de
Santa Catarina e de São Francisco de Assis. Dedicados a Santa Catarina,
virgem egípcia de sangue real, martirizada no Monte Sinai, os azulejos
apresentam as seguintes cenas: "Santa Catarina discute com os sábios de
Alexandria" (18 dos quais ela conseguiu converter), "A vitória de Santa
Catarina anunciada por um anjo" e "Súplica de Santa Catarina no ato de ser
degolada".
Dedicado a São Francisco de
Assis - que antes de se entregar ao apostolado de Deus e dos pobres
foi guerreiro, filho insubmisso, extravagante, gozador da vida, impulsivo,
rebelde, mas sempre generoso - merecem ser admiradas com
especial atenção as composições: "Cristo solta-se da cruz para abraçar São
Francisco", "São Francisco a pregar na presença do Papa Honório III", "São
Francisco faz um milagre" (o da água a brotar duma pedra), "A morte de São
Francisco" e "São Francisco a ser levado pelos anjos".
No interior da Capela, do
lado direito de quem entra, vê-se um painel representando as "Almas
do Purgatório", donde emerge a imagem de São Francisco apontando para o
céu. Ainda do lado direito vê-se um belo painel de Santa Catarina
ajoelhada diante da "Virgem com o Menino". Está rodeada de anjos, dois dos
quais transportam uma coroa, vendo-se embaixo os instrumentos da tortura e
do martírio.
No interior do templo, do
lado esquerdo, surge o painel de "São Francisco diante do Crucifixo", de
mãos abertas, aguardando o momento de receber os estigmas. Mais ao centro,
do mesmo lado, vêem-se as "Chagas de São Francisco". Na faixa esquerda
deste painel vê-se "São Francisco a entrar numa igreja", apoiado no seu
bordão, e na faixa direita "São Francisco, sentado, lê a Bíblia aberta
sobre os joelhos".
Para se avaliar quanto os
azulejos enriqueceram a Capela das Almas basta ver, com atenção e
interesse, uma das gravuras deste templo, em reboco, sem os azulejos que
hoje possui. É um desenho de Victoria Vila Nova, pseudônimo de Joaquim
Carvalho, existente na Biblioteca Municipal do Porto. Por esta gravura
pode-se verificar que a Capela das Almas, sem os seus painéis, parece não
ultrapassar a dimensão artística duma vulgar e humilde igreja das nossas
aldeias. Mas com os azulejos a Capela das Almas situa-se, sem favor, ao
nível dos ex-libris que possui a cidade do Porto. É na verdade um
pequeno-grande templo.
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Fundo
Musical:
Ai
Mouraria - Frederico Valério e Amadeu do Vale
Produção e
Formatação:
Mario Capelluto e Ida
Aranha
Imagens:
Maria Teresa Barros
Ramalho
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